Rúbricas 5

61 O presente artigo, na forma de ensaio, é dedicado à uma reflexão, sobre a Psicologia das Organizações e do Trabalho (de agora em diante, aqui denominada por pot) para contribuir com a compreensão de sua identidade e para abrir a visão de seu desenvolvimento futuro, neste momento de mudanças tão profundas da reinstitucionalização do trabalho. A pot é um campo do conhecimento científico nascido da necessidade de compreensão do trabalho dentro das novas condições criadas pela sociedade industrial. Rápida e amplamente legitimada por sua produção diversificada de conhecimentos sobre a relação entre o trabalho e a pessoa, a pot foi, paulatinamente, assumida, desde seu berço, como território transdisciplinar do saber científico, embora sempre categorizada no espaço das ciências comportamentais. Sua rápida expansão e reconhecimento viabilizaram a construção de sólida identidade como campo especializado de conhecimento, dedicado à reflexão crítica e instrumental sobre os eventos, processos e problemas na relação entre as pessoas, o trabalho e a sociedade. Seu desenvolvimento fomentou a produção de conceitos, tecnologias e profissões que hoje povoam diversos territórios da sociedade como a gestão de pessoas, a saúde do trabalhador, a qualidade de vida no trabalho, a realização profissional, a felicidade pessoal, a moral social e a virtualização das atividades de trabalho. A pot ganhou visibilidade com a institucionalização da profissão do psicólogo do trabalho, no período entre as duas grandes guerras do século xx. A atuação desse profissional, pressupostamente portador dos conhecimentos gerados pela pot, funcionou como peça prática e conveniente na gestão do trabalho, fomentando uma identidade diferenciada na plêiade de ocupações dedicadas à adaptação das pessoas ao trabalho, ao agenciamento do desempenho produtivo e à gestão e desenvolvimento da qualidade de vida do trabalhador. A atuação dos psicólogos do trabalho legitimou a aplicação e o desenvolvimento do saber criado pela pot nos eventos, processos, trajetórias e problemas surgidos nas fronteiras entre a sociedade, a pessoa e o trabalho. Na alvorada do século xxi, cerca de 120 anos depois de seus primeiros passos, a pot desponta como um objeto de estudo em cuja história se pode ler a evolução da sociedade industrial e pelo qual sua trajetória futura pode ser prevista. Sua história expõe as etapas de formação e de amadurecimento da aplicação da Psicologia no contexto de trabalho, revela os impactos de seu contínuo diálogo com as outras áreas do saber e com a sociedade, bem como explicita seus serviços a diversas causas que lhes foram apresentadas como necessidades que demandavam reflexão crítica e soluções práticas. Em sua trajetória, a pot foi construída e continuamente desafiada pelas crises econômicas e pela regularidade de inovações agregadas ao trabalho organizado, bem como balizada pelas estruturas e contingências econômicas, sociais, culturais e políticas criadas para a gestão da sociedade. Refletir sobre a pot como instrumento de desenvolvimento da sociedade, desde o início do século xx e sobre seus impactos na evolução dessa mesma sociedade é o escopo deste ensaio. O que a construção da pot tem para dizer sobre a relação entre a pessoa e o trabalho como base para a qualidade de vida? Que contribuições podem ser atribuídas à pot na formatação da institucionalização do trabalho nos séculos xx e xxi? A reflexão sobre essas questões ocorrerá dentro de uma perspectiva histórica, na qual se pretende demonstrar que a construção da identidade da pot e dos profissionais que atuam na gestão do trabalho ocorre sobre dois processos distintos, como dois movimentos paralelos e interdependentes. De um lado a pot foi uma especialização significativa na construção dos processos que regulam o desempenho. O sucesso da gestão do desempenho no desenvolvimento econômico do século xx revela a contribuição da pot através de conceitos e teorias criados pela pot para explicar a relação entre o homem e o trabalho. Por outro lado, a pot ofereceu apoio igualmente significativo na abertura de caminhos e recursos para a construção do processo de emancipação do trabalhador, oferecendo conceitos, dados e problemas sobre seu desenvolvimento como sujeito, dentro de um contexto que o constrange e o limita em sua possibilidade de construção de si mesmo. A contribuição da pot na criação do homem funcional A história da pot teve início, ainda no final do século xix, fruto da demanda pela compreensão da adaptação entre o trabalhador e suas tarefas. Os conhecimentos científicos que, até esse momento, sustentavam a produção industrial, como a engenharia e a economia, não davam conta dos novos desafios trazidos pela mecanização das fábricas. Nesse momento, ocorria nas fábricas, a substituição da tecnologia a vapor pela tecnologia eletromecânica, desencadeada pela implementação do motor movido a óleo diesel. “A fábrica tornou-se um ambiente claramente mais complexo e sofisticado que demandava conhecimentos mais seguros e especializados sobre o trabalhador” (Malvezzi, 2006:64) para se regular seu desempenho conforme exigia a tecnologia de produção. Dentro da arquitetura de produção criada pela tecnologia eletromecânica, o desempenho no trabalho tornou-se um evento essencial e preciso do qual dependiam a eficácia e a regularidade da produção. Desde então o desempenho cresceu como realização de tarefas especializadas, gerando ampla diferenciação ocupacional dentro das fábricas. O controle do desempenho foi rapidamente associado ao conhecimento e regulagem da subjetividade humana. O desenvolvimento da Psicologia despontava como uma promessa para o enfrentamento dessa complexidade uma vez que os conceitos e técnicas sobre o comportamento alimentavam nos gestores a esperança de regulagem do desempenho dos trabalhadores, tal como se regulavam as máquinas. Nesse momento, uma nova gramática surgia dentro da fábrica dentro da qual o desempenho teria que ser planejado

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