Rúbricas 5

62 Primavera-verano 2013 e monitorado para dar conta da velocidade exigida pelas linhas de produção. As tarefas exigiam trabalhadores que dominassem conhecimentos mais sofisticados e apresentassem habilidades específicas. “Descobriu-se que nem todos os indivíduos apresentavam igual facilidade para aprender seu ofício e que a adaptação do desempenho às demandas de tarefas previamente programadas era um aspecto vital da eficácia” (Malvezzi, 2006:65). A experiência demonstrou que instrumentos tradicionais como o uso da autoridade eram inúteis para muitas situações como a falta de capacitação e a motivação de trabalhadores especializados. Era necessário que o gestor cuidasse da equação comportamental do desempenho para produzi-lo de acordo com a programação da engenharia. Já não havia dúvidas, desde o final da primeira grande guerra, que dentro da gramática da fábrica mecanizada, a eficácia do desempenho dependia da gestão e controle das variáveis psicológicas que funcionavam como seus determinantes fundamentais, tais como a motivação do trabalhador, sua potencialidade de aprendizagem e sua legitimação da autoridade gerencial. Dentro desse quadro, a Psicologia despontava como uma esperança de informações e de instrumentalidade. A potencialidade dos conhecimentos sobre a subjetividade humana era o recurso que os administradores esperavam. Essa esperança ficou evidenciada na criação do termo “psicotécnica” proposta por W. Stern em 1903, para sintetizar uma especialização nova na Psicologia que produziria conhecimentos sobre a subjetividade humana para serem aplicados na gestão dos trabalhadores. Para W. Stern as novas condições de produção e de trabalho exigiam inclusive novas nomenclaturas para os fenômenos. Assim, a palavra “psicotécnica” sinalizava a potencialidade das ciências comportamentais na gestão do trabalho e a possibilidade de enquadramento dos novos conhecimentos às ações experimentais que desenvolveriam o aprendizado e a eficácia profissionais. Dessa nova representação da fronteira entre o trabalho e a pessoa, nasceu a aliança entre a Administração e a pot. Cada uma dessas duas ciências viu na outra alto potencial de cooperação recíproca tendo em vista o desenvolvimento de seu campo de conhecimentos. A pot passou a receber investimentos financeiros dos gestores para produzir informações seguras e profundas sobre o desempenho humano no trabalho e ampla abertura para pesquisar a compreensão das diferenças entre os indivíduos. Os trabalhos de R. Yerkes, nos usa, de Muscio, na Austrália, de Ribot, na França, de Meyers e Burtt, na Inglaterra e de Roberto Mange no Brasil são evidência inegáveis dessa aliança entre a Administração e a pot e da nova gramática do trabalho nas organizações com finalidade de lucro econômico (Hearshaw, 1964; Koppes, 2007; Malvezzi, 2010). Dessa aliança nasceu a concepção do trabalhador como recurso passível de adaptação ao processo de produção a qual foi, mais tarde, sintetizada na expressão “homem funcional”. Concebia-se por “homem funcional” a transformação no desempenho do trabalhador que o ajustava às demandas do processo de produção. Essa concepção foi consolidada em correlação com a evolução das organizações por força da sofisticação da racionalidade aplicada à administração. A crescente complexidade das máquinas como corolário da inovação tecnológica exigia desempenhos mais e mais especializados, como se observou na aviação e nas refinarias de petróleo. O sucesso prático obtido na gestão através de decisões tomadas com base nos estudos desenvolvidos pela pot, como as diferenças entre as pessoas, a relação entre essas diferenças e o desempenho das tarefas e a criação de padrões para a categorização dos desempenhos evidenciavam a validade da concepção do “homem funcional”. Os bons resultados da aplicação dos conhecimentos e técnicas oriundos da pot fomentaram igualmente a tradição da mensuração do desempenho, fato que casava bem com o espírito da Administração Científica. Essa equação administrativa, sintetizada na concepção do “homem funcional” estimulou o desenvolvimento da gestão de pessoas como atividade estratégica das empresas. Nessa construção, a aplicação dos conhecimentos produzidos pela pot surgia como recursos indispensáveis. Dessa forma, a pot impactou no desenvolvimento da sociedade como uma peça chave do processo regulatório do desempenho. Esse status de peça chave da gestão desencadeou o amplo recrutamento e contratação de psicólogos do trabalho para serem alocados nas atividades de seleção, de treinamento, de segurança e de avaliação. O desempenho deles confirmava a esperança materializada por W. Stern no conceito de “psicotécnica”. O “homem funcional” tornou-se uma cultura dentro das organizações e, como tal, facilitou a adaptação das empresas às mudanças mais profundas e amplas que ocorreram no trabalho após a segunda grande guerra. Sob essa cultura, o trabalhador foi assumido e estudado como um recurso passível de adaptação e desenvolvimento, fato que ofereceu à pot abundantes oportunidades para seu próprio desenvolvimento como especialização das ciências comportamentais. Essa cultura sobreviveu e atravessou a era da sociedade globalizada se ajustando à evolução dos sistemas de organização, como observado no início dos anos 1990, quando teve início o enfraquecimento da estrutura hierárquica e sua substituição pela estrutura de células de manufatura que evoluíram rapidamente, fomentando a fragmentação econômica materializada nas empresas-rede e posteriormente, nas redes de projetos. Dentro de um contexto mais dinâmico e competitivo, a autoridade gerencial já não dava conta da regulagem do desempenho. O próprio indivíduo teria que participar dessa tarefa, fato que colocou a gestão do “homem funcional” nas mãos dos próprios indivíduos, como se constata na evolução da estrutura hierárquica para as equipes autodirigidas. Tanto a estrutura hierárquica, como as equipes autodirigidas viabilizam o conceito de “homem funcional”, embora de modos diferentes.

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