Rúbricas 5

66 Primavera-verano 2013 humana analisado por Montmollin (1974) na prática da psicotécnica. Todos revelam a abertura da pot aos processos emancipatórios, sem ignorar sua tarefa de compreensão dos processos regulatórios. Um pouco mais adiante, essa abertura foi consolidada na obra de Jean-François Chanlat publicada em 1984, que foi dedicada à análise do que esse autor denominou de dimensões fundamentais da pessoa que foram “esquecidas” dentro da racionalidade criada para a organização do trabalho produtivo. Nessa obra, essa racionalidade da organização do trabalho na era industrial é questionada pela omissão (esquecimento) de características intrínsecas à condição humana. A racionalidade da administração se esqueceu de que o trabalhador é um ser reflexivo, um ser portador de uma cultura, um ser articulado por sistemas de cognições, um ser de linguagem simbólica, um ser de desejos e um ser de prazer e sofrimento (Chanlat, 1984). A partir de duas décadas de reflexões sobre a pessoa do trabalhador e do impacto que este sofre no contexto das organizações, não faltaram estudos para demonstrar que o ser humano, dotado de ampla gama de potencialidades, quando submetido a condições que o impedem de conduzir sua realização como sujeito perde sua autenticidade como ser humano. Baxter (1993) desenvolveu uma análise profunda sobre a autenticidade e a auto realização do trabalhador. Nessa análise esse autor vasculha a condição humana para compreender sua autenticidade ontológica e as circunstâncias nas quais ocorre a falta de autenticidade, que ele denomina por alienação. Em seguida Baxter realiza um escrutínio nos meandros das organizações para avaliar a possibilidade de emancipação e autenticidade dentro de um contexto que ele denomina de “finalidade fechada” (closed end), ou seja, dentro de um contexto que está totalmente organizado para priorizar a produção econômica. Esse autor termina sua tese afirmando que a emancipação do trabalhador é viável, mesmo dentro desse contexto, se ele agir de modo auto produtivo (self- -productive). Baxter entende o ser “auto produtivo” como a condição na qual o indivíduo trabalha não somente para os objetivos externos impostos pela organização, mas utiliza sua ação para crescer ontologicamente, como sujeito. Nessa conclusão, Baxter se alinha com Hannah Arendt (1958) em sua distinção entre “labor” e “trabalho”. Mesmo tendo que realizar tarefas a serviço do outro, sempre existe alguma potencialidade para o indivíduo servir a si mesmo e atuar para seu crescimento ontológico. Dentro da mesma racionalidade proposta por Baxter, Malvezzi (1988) estuda o critério de humanização do trabalho. Alinhado ao conceito de autenticidade de Baxter, Malvezzi (1988), em sua tese de doutorado, entende que um trabalho humanizado é aquele que permite a autenticidade ontológica do ser humano. Para investigar essa questão, Malvezzi explorou grande amostragem de projetos de mudança e desenvolvimento organizacional, direcionados à promoção da humanização do trabalho, para investigar quais seriam os alvos eficazes para levar a humanização adiante dentro do ambiente de trabalho. Em outras palavras, sua busca foi dirigida à questão do como promover a emancipação do trabalhador dentro de um contexto articulado pela racionalidade do “closed end” analisada por Baxter. Sua conclusão demonstra a complexidade dessa tarefa, ao identificar que o processo de humanização (ou seja, de emancipação) é uma ação que integra três distintos níveis de mudanças que são interdependentes entre si. A humanização é construída através de mudanças na subjetividade do trabalhador, de mudanças nas condições de trabalho e de mudanças nas relações institucionais. Nenhuma dessas três instâncias dá conta sozinha dessa tarefa porque o ser autêntico implica na relação do indivíduo com ele mesmo (subjetividade), na relação dele com o ambiente (condições de trabalho) e na relação dele com um mundo estruturado em canais de comunicação, poder e reconhecimento. Humanizar o trabalho é um alvo que requer diversas mãos trabalhando de modo contínuo, articulado e direcionado para as demandas de três sujeitos, o trabalhador, a empresa e a sociedade. Esse alvo não é passível de ser realizado pela instrumentalidade engenheirística externa aos indivíduos, por mais sofisticada que esta seja. Humanizar implica que todos os sujeitos envolvidos são chamados a participar como tal, não importa se são seres físicos, ou virtuais, como é ocaso da sociedade. Implicada na compreensão do conceito de humanização, a pot mostra seu caráter transdisciplinar. Ela sozinha não dá conta da explicação de questão tão complexa que requer o diálogo entre diversos campos do saber, como a Filosofia, a Sociologia, a Biologia, a Administração, a Antropologia e a Psicologia. No tratamento de questões como a humanização do trabalho, a autenticidade ontológica e a eficácia do desempenho no processo de produção, a história da pot mostra sua maturidade como campo do saber e sua potencialidade para servir a sociedade. Embora seja claro o envolvimento da pot na compreensão dos processos emancipatórios, tal como descrito no parágrafo anterior, é importante deixar aqui registrada a resposta a uma crítica freqüentemente colocada para se criticá-la, “por que na história da pot, foi dada alguma prioridade aos processos regulatórios?” Essa questão merece diversas respostas. Em primeiro lugar, os pesquisadores do inicio da pot não receberam essa demanda, agindo de modo ingênuo ao omitir a questão da construção do sujeito. Nessa época, sequer havia sindicatos organizados. Em segundo lugar, a consciência da emancipação foi sendo construída paulatinamente a partir da persistência dos problemas humanos nas organizações. Em terceiro lugar, como a análise de Malvezzi (1988) permite inferir, a percepção da complexidade da organização do trabalho e do emaranhado de relações entre o homem e o trabalho foi um processo de desdobramentos no qual o estudo de um problema foi levantando outros até se ter uma visão que transcendia a relação entre a pessoa e a tarefa. Mesmo compreendendo esses pontos, faltou reflexão crítica aos pesquisadores e profissionais pioneiros.

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